Fonte:https://www.valor.com.br
Por Marli Olmos | Valor
O surpreendente aumento de vendas de veículos novos, que fez do mês passado o melhor resultado em outubro dos últimos quatro anos, mostra, por um lado, uma crescente e sustentada recuperação do mercado brasileiro. Com 254,7 mil veículos o aumento foi de 25,58% em relação a outubro de 2017 e de 60% na comparação com o mesmo mês em 2016. Por outro lado, parte dessa expansão foi provocada por fatores menos positivos.
Um deles é a crise argentina. A brusca queda de demanda no país vizinho provocou um encalhe de veículos para exportação, segundo já revelaram alguns dirigentes da indústria. Isso levou as montadoras a oferecer mais promoções para vender no Brasil parte dos veículos programados para o mercado externo. As promoções se voltaram a planos de financiamento atrativos, favorecidos pelo aumento na oferta de crédito aliado à queda nas taxas de juros.
Existe, ainda, outro fator, que traz resquício da crise, que movimenta o mercado de carros zero quilômetro. Boa parte das vendas de carros no Brasil, hoje, é feita na base da chamada “troca com troco”, uma modalidade muito usada durante a crise. Nos últimos anos, muitos consumidores levavam seu carro seminovo a uma revenda para trocar por um modelo mais antigo. O revendedor pagava a diferença em dinheiro.
A prática não foi abandonada, segundo concessionários ouvidos pelo Valor. A diferença é que o ambiente de hoje, de mais confiança em relação ao emprego e de maior oferta de crédito, favorece a “troca com troco” envolvendo carro novo. O consumidor troca seu usado por um modelo novo mais simples. E ainda leva dinheiro no bolso para quitar as dívidas.
As melhorias tecnológicas nos carros mais simples também estimulam essa prática, segundo o gerente de vendas da Amazon, concessionária Volkswagen em São Paulo. Ele conta que recentemente atendeu um cliente que trocou um Mercedes seminovo pelo utilitário esportivo Tiguan zero quilômetro e embolsou R$ 10 mil. Ele comprou o Mercedes por R$ 170 mil e o vendeu à concessionária por R$ 140 mil. O Tiguan custou R$ 130 mil.
Um concessionário que representa várias marcas e que atua no interior paulista destaca que as taxas de juros estão menores por conta da queda na inadimplência no segmento de veículos. Quem está com dívidas no cartão de crédito ou cheque especial, diz ele, prefere fazer a “troca com troco” aproveitando taxas mais atraentes nos financiamentos de automóveis.
A maior parte dos financiamentos, segundo os revendedores, tem sido com 60% de entrada e 36 parcelas fixas com taxas de juros em torno dos 0,80% ao mês. No início do ano, um plano igual cobrava em torno de 1,40% de juros. Algumas marcas têm oferecido planos com 60% de entrada e 24 prestações sem juros.
Mas nem todos buscam carro e dinheiro. Nessa recuperação de demanda, há também uma parcela significativa de consumidores adiaram a compra nos últimos três ou quatro anos e que se sentem, agora, finalmente seguros para trocar o carro por um modelo mais caro. Segundo Leite, se no passado, a maioria dos clientes cativos levava para a loja veículos com 30 mil a 40 mil quilômetros rodados, hoje aparecem muitos com mais de 100 mil quilômetros.
Nesse caso, surge um consumidor não apenas mais confiante em relação ao emprego, mas também seduzido por novidades. Há uma série de lançamentos de automóveis, com verdadeiras renovações de linhas em marcas populares, como a Volkswagen, que há quase um ano tem feito sucessivos lançamentos de produtos. Em outubro, a média diária de licenciamentos de carros, comerciais leves, caminhões e ônibus — 11,5 mil unidades — ficou 19,85% acima do que no mesmo mês do ano passado.
Os revendedores apontam, ainda, as definições no cenário político como fator positivo para o significativo crescimento do mercado. Apesar de a maior parte das vendas de outubro ter sido feita antes do segundo turno, as pesquisas de intenção de voto haviam antecipado, em grande parte, a tendência do resultado da eleição presidencial.
Um cenário que favorece as vendas coincide com o Salão do Automóvel de São Paulo, que será aberto ao público entre os dias 8 e 18. Certamente será uma exposição em clima bem diferente do último salão do automóvel em São Paulo, em 2016.
Em outubro de 2016, mês do último salão, a indústria automobilística registrou o menor volume de produção em outubro num período de 13 anos. A Volkswagen, maior produtora de carros do país, havia ficado quase um mês parada por conta de disputa de preços com um fornecedor. E, em consequência da retração no consumo interno, somente naquele mês houve mais de 900 demissões nas montadoras.
No salão de 2016, os carros exibidos no salão eram sonho distante de muitos, assustados com o desemprego crescente, crédito inacessível e inflação alta. Desta vez, visitantes mais tranquilos com as finanças vão poder sonhar com os carros do futuro, elétricos e autônomos.